Maio Cinza e os desafios do câncer cerebral: atualizações clínicas que transformam a sua atuação
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Maio Cinza é o mês de conscientização sobre os tumores do sistema nervoso central (SNC), com foco especial nos cânceres cerebrais primários, como os gliomas, e também nas neoplasias metastáticas que comprometem o encéfalo e a medula espinhal. Embora raros em comparação com outros tipos de câncer, esses tumores impõem desafios significativos à prática clínica: seja pelo comportamento agressivo, pela limitação terapêutica ou pela necessidade de estratégias altamente individualizadas. Para o farmacêutico clínico, o conhecimento sobre as atualizações terapêuticas, os marcadores moleculares e as abordagens multidisciplinares é essencial para contribuir de forma efetiva na jornada do paciente oncológico. Encontre neste artigo os principais destaques e atualizações com ênfase em decisões farmacoterapêuticas, uso de terapias-alvo e condutas personalizadas que refletem o estado da arte em neuro-oncologia.
A era do tratamento adjuvante sem radioterapia chegou aos tumores cerebrais?
A terapia com vorasidenibe representa um avanço significativo no tratamento de gliomas de grau 2 com mutações em IDH1 ou IDH2. Este inibidor demonstrou resultados notáveis em um estudo de fase 3 conduzido por Mellinghoff et al. (N Engl J Med 2023), em que pacientes com glioma IDH-mutante residual ou recorrente, sem tratamento prévio com radioterapia ou quimioterapia, apresentaram uma sobrevida livre de progressão significativamente maior (27,7 meses) quando comparados ao grupo placebo (11,1 meses). Essa resposta terapêutica sustentada justifica a sua inclusão como tratamento adjuvante preferencial em pacientes com bom estado funcional (KPS ≥60), tanto para oligodendroglioma quanto para astrocitoma grau 2. Embora o medicamento ainda esteja em processo de aprovação regulatória, o acesso expandido já está disponível para pacientes elegíveis (NCT05592743). O vorasidenibe surge como opção interessante para postergar a toxicidade da quimio e da radioterapia, principalmente em indivíduos jovens, assintomáticos ou com estabilidade clínica e radiológica.
Além disso, sua introdução reforça a tendência de uma oncologia de precisão, na qual decisões terapêuticas são norteadas por perfis genômicos tumorais e não apenas por critérios morfológicos.
Da lâmina ao laboratório: o que mudou na forma de classificar os gliomas?
A classificação atual dos tumores gliais se fundamenta cada vez mais em marcadores moleculares, especialmente no status da mutação IDH e na presença da codeleção 1p/19q, que permite diferenciar oligodendrogliomas de astrocitomas com maior precisão e relevância terapêutica. Em oligodendrogliomas grau 3, a combinação de radioterapia com quimioterapia baseada no esquema PCV (procarbazina, lomustina e vincristina) demonstrou benefício significativo em sobrevida global no EORTC 26951, sendo considerada a abordagem padrão. Para pacientes que não toleram esse regime, o uso de temozolomida pode ser considerado, embora com menor robustez de evidência. Já nos astrocitomas IDH-mutantes de grau 3 ou 4, os esquemas envolvendo radioterapia com temozolomida, seja adjuvante ou concomitante, são preferidos e podem ser associados à terapia com campos elétricos alternados nos casos de grau 4.
Reirradiação em gliomas: uma segunda chance ou um risco injustificável?
A reirradiação tem emergido como estratégia terapêutica viável em pacientes com gliomas recorrentes, especialmente quando a recidiva ocorre fora do campo previamente irradiado ou em áreas pequenas e anatomicamente acessíveis. A diretriz do NCCN recomenda avaliação criteriosa, considerando performance status, tempo desde a última radioterapia, padrão de recorrência e localização tumoral. Técnicas de alta precisão, como radiocirurgia estereotáxica, são as preferidas para minimizar toxicidade em tecidos adjacentes. Embora os dados de estudos prospectivos ainda sejam escassos, séries retrospectivas sugerem que a reirradiação pode proporcionar controle tumoral e alívio sintomático em pacientes selecionados. Quando possível, a reirradiação deve ser considerada em combinação com agentes sistêmicos, como temozolomida ou bevacizumabe, com monitoramento rigoroso. A decisão deve sempre passar por discussão multidisciplinar e integrar o contexto clínico individual, priorizando a qualidade de vida e o potencial benefício clínico. Em pacientes com doença indolente ou ressecção completa, a vigilância pode ser uma alternativa razoável.
Qual o posicionamento da farmacoterapia no glioblastoma?
O glioblastoma permanece como o tumor cerebral primário mais agressivo e desafiador do ponto de vista terapêutico, exigindo uma abordagem combinada e intensiva. Pacientes com bom desempenho funcional (KPS ≥60) são tratados com ressecção cirúrgica seguida por radioterapia padrão (60 Gy em 30 frações) combinada com temozolomida (TMZ) concomitante e adjuvante, protocolo estabelecido desde o estudo de Stupp. A adição de terapia com campos elétricos alternados (Tumor Treating Fields – TTF) pode ser considerada, sobretudo em doenças supratentoriais, com impacto positivo na sobrevida livre de progressão. Em pacientes com metilação do promotor de MGMT, o benefício da TMZ é ainda mais pronunciado, sendo um biomarcador preditivo essencial. Por outro lado, em tumores não metilados, a eficácia da TMZ é limitada e as decisões devem ser individualizadas. Em pacientes com idade avançada ou baixo KPS, esquemas hipofracionados com ou sem TMZ são preferíveis, considerando o perfil de tolerabilidade. Além disso, a distinção entre pseudoprogressão e progressão verdadeira nas primeiras 12 semanas pós-RT continua sendo um desafio diagnóstico crítico, com impacto direto na condução terapêutica.
Muito além de dose e frações: o que a radioterapia ainda representa no tratamento de tumores cerebrais?
A radioterapia permanece um pilar fundamental na abordagem dos tumores do sistema nervoso central, com papel definido desde os gliomas de baixo grau até os glioblastomas e linfomas primários do SNC. A diretriz atual enfatiza o uso de RT personalizada, com destaque para técnicas como a radioterapia guiada por imagem e radioterapia protonterápica em casos selecionados. Para pacientes idosos ou com menor KPS, os esquemas hipofracionados (ex: 40 Gy em 15 frações) são preferidos, reduzindo toxicidade e tempo de tratamento. Já em tumores de alto grau, como o glioblastoma, a RT convencional é administrada em combinação com TMZ, sendo idealmente iniciada entre 3 a 6 semanas após a cirurgia. O seguimento deve ser feito com RM seriada para monitorar resposta e diferenciar entre efeitos pós-radioterapia e progressão tumoral. Em casos específicos, como ependimomas ou metástases leptomeníngeas, considera-se a irradiação craniospinal, sendo preferível o uso de prótons para reduzir toxicidade hematológica e evitar mielossupressão grave. O uso de técnicas avançadas para preservação de estruturas críticas, como gânglios da base, tronco encefálico e nervos ópticos, tem sido um dos principais avanços na prática atual.
Confira abaixo as informações relevantes que o farmacêutico Jonas Fernandes, professor da pós-graduação de Farmácia Oncológica, tem a dizer sobre os fundamentos da radioterapia!
Mais que escalas: o que o KPS realmente determina no manejo dos tumores do SNC?
O status funcional do paciente, medido pelo escore de Karnofsky (KPS), é uma das variáveis clínicas mais relevantes para a tomada de decisão terapêutica nos tumores do SNC. Indivíduos com KPS ≥60 são considerados aptos a receber tratamentos mais intensivos, incluindo cirurgia, RT padrão e regimes completos de quimioterapia. Já pacientes com KPS <60 devem ser avaliados com cautela, optando-se por terapias menos agressivas, como esquemas hipofracionados de RT, TMZ isolado (quando indicado) ou cuidados paliativos. Em alguns casos, a observação ativa pode ser uma alternativa viável, especialmente em gliomas de baixo grau assintomáticos, com ressecção completa. Atenção, farma!
Essa estratificação visa evitar toxicidade desnecessária e preservar a qualidade de vida. Além disso, a função cognitiva, o suporte social e as comorbidades devem ser integrados à decisão terapêutica, principalmente em cenários limitantes. A diretriz também reforça que, mesmo em pacientes frágeis, o tratamento paliativo pode reduzir sintomas como cefaleia, déficits neurológicos e epilepsia, sendo parte essencial da abordagem farmacêutica em neuro-Oncologia.
Genética, ensaios clínicos e escolhas inteligentes: o que está no horizonte?
O avanço da oncologia molecular tem impulsionado o desenvolvimento de terapias-alvo para subgrupos específicos de tumores do SNC. Gliomas com fusões envolvendo o gene NTRK, por exemplo, podem se beneficiar do repotrectinib, conforme dados do estudo TRIDENT-1 (Solomon BJ et al., 2023). Tumores com mutações BRAF V600E — frequentemente presentes em PXA, gangliogliomas e astrocitomas pilocíticos — podem ser tratados com inibidores de BRAF ou MEK, como vemurafenibe e trametinibe, ampliando as opções além da quimiorradioterapia convencional. Em pacientes com neurofibromatose tipo 1 e neurofibromas plexiformes sintomáticos, o mirdametinibe demonstrou atividade significativa em estudo fase IIb (Moertel CL et al., J Clin Oncol 2025). Outro ponto de destaque é a importância do promotor MGMT metilado em glioblastomas, fator determinante na escolha e na duração do tratamento com TMZ. A incorporação de sequenciamento de nova geração no diagnóstico de rotina permite uma caracterização mais precisa do tumor e deve ser considerada obrigatória para todos os gliomas de alto grau, orientando decisões terapêuticas e inclusão em ensaios clínicos.
Referências
National Comprehensive Cancer Network (NCCN). Central Nervous System Cancers. Version 5.2024. Plymouth Meeting, PA: NCCN; 2025. Available at: https://www.nccn.org/professionals/physician_gls/pdf/cns.pdf
Mellinghoff IK, Penas-Prado M, Clarke JL, et al. Vorasidenib in IDH1- or IDH2-mutant low-grade glioma. N Engl J Med. 2023;389(7):589–601. doi:10.1056/NEJMoa2302330
van den Bent MJ, Brandes AA, Taphoorn MJB, et al. Adjuvant procarbazine, lomustine, and vincristine chemotherapy in newly diagnosed anaplastic oligodendroglioma: long-term follow-up of EORTC brain tumor group study 26951. J Clin Oncol. 2013;31(3):344–350. doi:10.1200/JCO.2012.43.2229
Stupp R, Mason WP, van den Bent MJ, et al. Radiotherapy plus concomitant and adjuvant temozolomide for glioblastoma. N Engl J Med. 2005;352(10):987–996. doi:10.1056/NEJMoa043330
Taphoorn MJB, Dirven L, Kanner AA, et al. Influence of health-related quality of life on survival in glioblastoma patients: a secondary analysis from the EF-14 trial. J Clin Oncol. 2018;36(15):1603–1610. doi:10.1200/JCO.2017.75.6373
Solomon BJ, Drilon A, Lin JJ, et al. Repotrectinib in patients with NTRK fusion-positive advanced solid tumors including NSCLC: update from the phase I/II TRIDENT-1 trial. Ann Oncol. 2023;34(Suppl_2):S755–S851. doi:10.1016/annonc/annonc1232
Moertel CL, Hirbe AC, Shuhaiber HH, et al. ReNeu: a pivotal, phase IIb trial of mirdametinib in adults and children with symptomatic neurofibromatosis type 1–associated plexiform neurofibroma. J Clin Oncol. 2025;43(7):716–729. doi:10.1200/JCO.23.01438
Mansouri A, Hachem LD, Mansouri S, et al. MGMT promoter methylation status testing to guide therapy for glioblastoma: refining the approach based on pyrosequencing. Neuro Oncol. 2019;21(2):167–178. doi:10.1093/neuonc/noy145
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